quarta-feira, 29 de junho de 2016

Yangoon, a cidade intensa

(março 2016)

Yangoon é a maior cidade do Myanmar tendo sido no passado capital do país. Chegámos lá meio perdidos, não sabíamos bem o que esperar da cidade, o que visitar ou mesmo a situação do país. Afinal de contas estivemos no Myanmar num momento histórico, a tomada de posse do primeiro presidente após mais de 50 anos de ditadura. Ficámos hospedados na zona de chinatown que é onde tudo acontece e logo no primeiro dia nos apercebemos de quão intensa é a cidade. Mercados de rua a perdê-los de vista, diversas barraquinhas com comida da mais variada possível sendo ela pratos locais ou especialidades exóticas como larvas fritas, grilos grelhados ou outras espécies que nem sei o que eram. As ruas da cidade cheias de mesinhas e banquinhos de plástico, baixos como se fossem do jardim de infância, onde as pessoas se sentam para comer e a parte interessante é que em quase todas as mesas há um jarro de chá grátis. Mulheres e homens de saia a mascar o tabaco, pessoas com o thanakha na cara, monges em grupos a cantar à frente dos estabelecimentos para receberem oferendas. Uma grande mistura de comunidades tais como hindus, muçulmanos e budistas o que torna a cidade mais interessante. Ficámos logo apaixonadas pela diversidade que se fazia sentir à nossa volta. 



Foi complicado passear pelas ruas dado o calor que se fazia sentir no entanto estas eram estreitinhas e os prédios acabaram por fazer sombra o que nos deu mais alento para iniciar o nosso passeio pela cidade. Primeira paragem foi no Sule Pagoda nada longe de chinatown. Chegámos lá e grande parte estava em obras mas mesmo assim deu para visitar e perceber um pouco dos rituais das pessoas que lá se encontravam. Fomos abordados por um monge que nos fez uma visita guiada às instalações do qual desconfiamos um pouco da sua honestidade pois no final pediu-nos dinheiro supostamente como doação para o mosteiro. Também não foi muito dinheiro mas não gostámos da atitude. Ele contou-nos que as pagodas no Myanmar têm 8 cantos que têm a ver com os 8 passos da filosofia budista para chegar ao nirvana. Cada canto no caso das pagodas é representado pelos dias da semana tendo sido quarta feira dividida em duas partes manhã e tarde (ele não soube explicar porquê, daí a desconfiança). Cada dia/canto tem uma estátua dum animal e uma fonte e o ritual consiste em ires para o canto que representa o dia do teu nascimento e regares a estátua do animal animal com 8 copos de água. Sinal de sorte na vida. 


Outro ponto de visita foi a Shwedagon Pagoda, monumento majestoso da cidade com 99 m altura e considerado a Pagoda mais sagrada do Myanmar já que se acredita que contém relíquias dos 4 Budas que existiram até agora. O monumento é realmente grande e de uma beleza impressionante. Não entrámos lá dentro devido ao preço exorbitante que estavam a pedir mas conseguimos admirar a sua beleza por fora. 


Passámos também uma bela e divertida manhã num comboio (chamado o circular) que anda em círculo à volta da cidade passando também pela parte mais rural de Yangoon. E não é que foi das manhãs mais divertidas?! Então foi o seguinte. Entrámos no comboio meio na dúvida do que nos esperava. O comboio era bastante antigo, bancos de madeira as portas nem fechavam, sem ar condicionado, o comboio sujo. Enfim, pensávamos que íamos perder uma manhã para nada mas também por 3 horas ninguém ía morrer. E fomos. O comboio começa a andar devagar, não muito cheio, meia dúzia de turistas espalhados pelas carruagens, nada de especial por enquanto. De repente começa a ganhar balanço e foi aí que o panorama mudou. Não é que o comboio vai literalmente aos saltos e a abanar por todo o lado! não estou a exagerar. É daquelas coisas que racionalmente sabes que é perigosa mas tem tanta piada que nem queres saber. Chegámos à parte mais rural de Yangoon e aí as coisas melhoram mais ainda. O comboio começa a diminuir a velocidade porque vai parar na próxima paragem. Vejo de longe as pessoas paradas na paragem com imensos sacos de vegetais, legumes, etc e penso que deverá ser uma espécie de mercado. De repente e sem me aperceber de como tudo começou vejo sacos, malas, pessoas (sim, pessoas) a voar pela janela, portas tudo por onde era possível entrar e marcar lugar. Foi algo tão inesperado e rápido que ficámos pasmados a olhar para isso tudo e nem conseguimos filmar desde o início. Em menos de 2 minutos, sem exagero, o comboio estava cheíssimo de sacos grandes cheios de verduras e legumes, pessoas sentadas em cima de sacos ou a andar por cima deles. Algo indescritível! O comboio começa de novo a andar e durante a viagem essas pessoas que entraram se pensam que estiveram a descansar estão enganados. Passaram a viagem toda a tratar das suas mercadorias. Separar os melhores vegetais dos piores, cortar as partes que não interessavam e atirar pela janela fora, arrumar melhor em doses mais pequenas, nas paragens ainda vendiam, era todo um spot de trabalho que ali estava instalado. Foi sem dúvida das viagens de comboio mais surreais e divertidas.


Em Yangoon tivemos o primeiro contacto com a cultura birmanesa. Estivemos lá 3 dias mas quem estiver com tempo apertado consegue ver o essencial num dia inteiro bem programado. 

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Myanmar aos nossos olhos

(março 2016)

Myanmar ou antiga Birmânia?? Pouco conhecíamos sobre Myanmar antes da nossa visita para além da existência de Bagan e do prémio Nobel da paz entregue a Aung San Suu Kyu. No entanto foi o suficiente para decidirmos visitar este país misterioso que ainda há pouco abriu as suas portas para o turismo. Ficámos completamente apaixonados desde os primeiros segundos e não foi tanto pelos pontos do must see do país mas sim pelas pessoas que lá vivem e pela cultura. Myanmar não é apenas Bagan, Inle Lake ou a Golden Rock que são lugares lindíssimos sem dúvida, Myanmar são as pessoas e os seus hábitos e passo a explicar as razões.

Myanmar é ver tanto as mulheres como os homens a usar uma espécie de saia, as longyi, que não passa de um tecido em forma tubular que se vai ajustando ao corpo através de um nó no caso dos homens ou de uma dobra no caso das mulheres. É uma peça de roupa muito prática na verdade uma vez que se engordares ou emagreceres é só ir ajustando. As cores usadas pelos homens são mais neutras mas as mulheres usam cores mais vivas o que torna a longyi numa peça muito fashion. Sendo ajustável ao corpo, serve para colocar ao nível das ancas o telemóvel e a carteira não sendo assim necessário mala ou bolsos. Melhor, parece ser uma peça muito útil para fazer chichi no meio da rua sem ninguém se aperceber, pois vimos um homem que pensávamos nós que estava sentado no passeio mas na verdade estava a fazer as suas necessidades e o longyi ajudava-o a disfarçar :)


Myanmar é ver as pessoas usar diariamente o thanakha na cara. O thanakha é uma pasta que é usada pelas mulheres, crianças e rapazes solteiros para diferentes fins, tais como, proteger do sol, hidratar a pele e também como uma espécie de make up. Pode ser comprada nos supermercados ou fazê-la manualmente que é o que a maioria das pessoas fazem. Consiste em esfregar um pequeno ramo de uma árvore local contra uma pedra lisa adicionando algumas gotas de água até ficar uma pasta amarela e depois aplicar na cara especialmente na testa, nariz e bochechas. 


Myanmar é ver pessoas a mascar tabaco a toda hora, sejam mulheres ou homens. E não é apenas o tabaco que torna a coisa mais esquisita. Basicamente essa coisa de mascar consiste numa folha de Betel (que tem propriedades energéticas) com uma pasta de pó de pedra tipo betume (sim, betume que se usa nas obras) e folhas secas de tabaco. Às vezes tem amendoins ou outros sabores, é todo enrolado como se fosse uma bolinha e põe-se na boca ficando o dia todo a mascar isso como se fosse pastilha elástica. É a coisa mais esquisita que vi porque: 1º aquilo tem uma pasta tipo betume; 2º tem um cheiro horrível; 3º deixa os dentes e lábios vermelhos (escuro) o que não é nada bonito de se ver; 4º isso deve fazer tão mas tão mal à saúde; 5º as pessoas que mastigam isso estão o tempo todo de boca fechada porque isso as impede de falar; 6º estão sempre a cuspir para todo lado, coisa nada agradável à vista para além de deixar chão todo manchado de vermelho. Mas pronto, dizem que é tipo o redbull ou café que da energia mas numa versão tão não saudável! Prefiro o café.


Myanmar é onde me senti mais famosa. Passar pelo sudeste asiático tem nos feito sentir estrelas. Muitas vezes há olhares tímidos, vemos pessoas a apontar para nós, pedem-nos para tirar fotos ou às vezes nem pedem, simplesmente tiram! Afinal de contas nós somos diferentes por cá, e isso desperta uma certa curiosidade. Myanmar foi onde nós nos sentimos mais famosos, talvez por não estarem tão habituados ao turismo e porque a maioria deles nunca saíram do país e nunca ou poucas vezes viram alguém de fora. 


Na foto de cima, são umas crianças que estavam a brincar na rua algures nas montanhas quando estávamos a fazer o trekking entre Kalaw e Inle Lake. Ficaram tão felizes quando nos viram que pediram para lhes tirarmos fotos. Apenas queriam posar para a máquina e isso os deixou mais do que felizes! Segurar sozinhos nas nossas máquinas e tirarem por eles fotos foi uma outra alegria inexplicável. Houve troca de abraços e sorrisos como se nos conhecêssemos há muito tempo. Foi tão bom ver como se pode fazer alguém feliz com tão pouco. Foto à esquerda, em Hpa An, elas começaram a olhar discretamente e com uma certa timidez para mim (Natalia), cruzámos os olhares e deu-se um sorriso tímido dos dois lados. Quando me viu a sorrir, uma das miúdas aproximou-se timidamente e mostrou-me o telemóvel como quem fosse pedir para tiráramos uma selfie. Tirámos a foto, claro, e depois as amigas juntaram-se e tirámos mais umas quantas e uma para mim como recordação. A terceira foto foi num dos templos em Bagan e foi a mais cómica de todas. Estávamos a admirar as pinturas das paredes desse templo quando nos cruzamos com um grupo que talvez fosse uma grande família. De repente, vemos uma senhora a empurrar um rapazinho de uns 6/7 anos para nós e a falar com outra pessoa algo que devia ser para tirar a foto. Tiraram a foto e logo a seguir vem uma miúda ao pé de nós e tira a foto, depois o namorado junta-se, a seguir era a vez de um outro casal, depois mais umas pessoas. Tirámos fotos com o grupo todo! E no final da visita, quando já estávamos a sair do templo, a mesma senhora estava lá fora com um outro senhor de idade a nossa espera para ele também tirar uma foto connosco. Foi algo inesquecível e muito engraçado, viemos para estes países vermos algo diferente e os diferentes somos nós ;)

Myanmar é uma grande felicidade do início de uma democracia! A maioria das pessoas têm vontade e diria até necessidade de falar sobre o país, o regime e as mudanças que estão a acontecer ou esperam que venham a acontecer. Afinal de contas só agora é que podem falar abertamente sobre esse tema visto que até há bem pouco tempo, devido à ditadura, era perigoso expressar as suas opiniões. Estivemos em Myanmar na semana de tomada de posse do primeiro governo de Aung San Suu Kyi após mais de 50 anos de ditadura e era notória a felicidade na cara das pessoas. No comboio a caminho de Hsipaw, encontrámos um senhor a sintonizar o seu pequeno rádio portátil para ouvir o discurso de tomada de posse do primeiro presidente democraticamente eleito. A felicidade era tanta que passava de pessoa em pessoa para traduzir o discurso e não parava de dizer o quão feliz e orgulhoso estava por este momento histórico do seu país. Mais tarde, em conversa com ele enquanto desfrutávamos  um chá típico, descobri que era professor e que nunca saiu do país mas conhecia tanto sobre Portugal especialmente Camões e Saramago. Que orgulho! Para quem quer aprender mais sobre o país recomendo a visualização do filme "The Lady" até há pouco proibido no país e que relata toda a luta da Aung Sang Suu Kyi.  


Myanmar é andar de comboio e pensares que estás na Disney. O comboio abana e salta por todo lado pelo que se não atares ou segurares as malas elas saltam literalmente pela janela num ápice pois como não há ar condicionado as janelas estão sempre abertas. O problema é que a distância entre as linhas é demasiado curta para a largura das carruagem o que faz com que o comboio esteja sempre a saltitar e a abanar de um lado ao outro dando até a impressão muitas vezes que o comboio vai descarrilar. O país deve ter das linhas de comboio mais antigas do mundo e com escassa manutenção o que faz com que andar de comboio demore 2 ou três vezes mais do que de autocarro pois, por ser perigoso, o comboio anda devagar. A viagem não é nada confortável e perigosa mas isto é Myanmar e tem que se experimentar uma vez na vida.


Myanmar é não poderes andar a vontade em todas as partes do país. Ok, isto é chato mas faz parte do país. Sabiam que há estados do país especialmente nas fronteiras onde os turistas não são autorizados entrar? Estas zonas estão em guerra civil entre as minorias étnicas locais que querem a sua independência e o exercito birmanês (os birmaneses são a etnia dominante no país). É tudo uma questão de interesses uma vez que nesses estados encontram-se os produtores de ópio (Myanmar é o segundo maior produtor de ópio do mundo tendo sido o maior até 2008) e também são os estados mais ricos em pedras preciosas. Culturalmente devem ser zonas muito interessantes pelas diferentes etnias que lá vivem no entanto a visita fica para a próxima quando for seguro passear por essas bandas. 

Myanmar é isto tudo e muito mas muito mais. É um país que dispersa uma curiosidade enorme, tanto pelos estados proibidos como pela história e mais ainda pelo futuro deste país. É um país com uma cultura tão interessante e com pessoas tão genuínas que te faz querer ficar mais. Um país certamente a voltar para ver o rumo que este governo vai tomar. Tenho fé no governo e especialmente em Aung Sang Suu Kyi, ela é uma mulher forte e certamente vai fazer com que as coisas melhorarem.

Boa sorte Myanmar, voltarei sem dúvida para te abraçar mais uma vez.